Implementar estratégias eficazes de gestão de resíduos demonstra um compromisso com a sustentabilidade, o que atrai investidores, clientes e talentos que valorizam a responsabilidade socioambiental. É por isso que a gestão eficiente do lixo se tornou um importante componente na agenda ESG (Environmental, Social, and Governance) das empresas — ou deveria se tornar.
Mauricio Ajzenberg, sócio-diretor da startup LOGREVERSA, atua na condução de operações de Logística Reversa para a reinserção dos resíduos gerados no pós-consumo de bens e produtos — no que se convencionou chamar de “economia circular”. Para pensar na gestão do lixo, segundo o especialista, é necessário fazer uma diferenciação entre resíduos industriais e resíduos do pós-consumo:
- Os resíduos industriais são gerados pelas empresas no processo de produção;
- Os resíduos do pós-consumo são consequência do consumo dos produtos — como as embalagens.
O primeiro tipo tem recolhimento mais fácil, já que estão concentrados em poucas plantas, enquanto os resíduos gerados pelos consumidores estão espalhados mundo afora. Em ambas as situações, as empresas devem adotar medidas para a recuperação e transformação desses resíduos, visando uma economia circular.
Neste conteúdo, falamos sobre o movimento Zero Waste, as iniciativas de grandes players na agenda ESG e como a tecnologia pode apoiar mudanças.
Movimento Zero Waste e a Regra dos 5 Rs
Com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a necessidade de hábitos mais sustentáveis, foi criado o movimento Zero Waste (ou “Resíduo Zero”, em português), que busca eliminar a geração de lixo. O termo foi estabelecido pela Zero Waste International Alliance (ZWIA).
As ações do movimento foram condensadas na Regra dos 5 Rs, que significam:
Repensar: reflexão sobre atos e formas de consumo.
Reduzir: diminuição da geração de resíduos e, consequentemente, de desperdícios.
Recusar: declinar insumos ou produtos oriundos de cadeias de supply chain que agridem o meio ambiente ou que utilizem trabalho degradante.
Reutilizar: aumentar a vida útil de um produto ou componente.
Reciclar: reaproveitar materiais, seja pela redução do seu consumo ou do consumo de energia, além de diminuir o uso de matérias-primas virgens.
A adoção dos princípios do movimento Zero Waste e a implementação de uma gestão eficiente de resíduos trazem inúmeros benefícios para as empresas. Revisar a forma como a gestão de resíduos é feita é essencial para empresas e para o setor de supply chain como um todo. Entenda alguns dos principais benefícios.
8 benefícios da revisão dos processos de gestão do lixo para as empresas e o supply chain
1. Redução de custos
É obtida com o menor consumo de matérias-primas e insumos e, ainda, com a redução das despesas com seu descarte (transporte e tratamento).
2. Aumento da eficiência operacional
É uma consequência da otimização de processos. Quanto mais eficientes eles forem, menor a demanda de tempo e esforço das equipes.
3. Melhoria da imagem corporativa
Com a demonstração comprovada de responsabilidade ambiental e adesão à agenda ESG, por meio da adoção de práticas sustentáveis, as empresas passam a ser vistas de forma mais positiva por clientes, investidores e pelas comunidades onde estão inseridas.
4. Conformidade com regulamentações
Ao atender a leis e normas ambientais, as empresas passam a cumprir regulamentações do setor. Assim, multas e sanções tendem a ser reduzidas ou, até mesmo, eliminadas. Além disso, fica mais fácil obter certificações como a ISO 14001, que estabelece diretrizes para sistemas de gestão ambiental.
5. Melhoria no ambiente de trabalho
A conscientização dos colaboradores e seu envolvimento em práticas sustentáveis tende a aumentar a motivação e o engajamento dos times. Mas as vantagens não param aí: a redução dos desperdícios e dos resíduos também torna o ambiente de trabalho mais limpo, organizado e seguro.
6. Inovação e competitividade
O desenvolvimento de produtos mais sustentáveis é, muitas vezes, o embrião para projetos inovadores e possibilita um posicionamento mais competitivo das organizações no mercado.
7. Aumento da resiliência
As empresas que gerenciam bem seus recursos são mais resilientes a flutuações de preços e disponibilidade de matérias-primas.
8. Relacionamento com stakeholders
A formação de parcerias com outras empresas e organizações que também valorizam a sustentabilidade se torna mais fácil. Abre-se espaço, ainda, para um melhor relacionamento com a comunidade local, que passa a ver a empresa como um ator responsável e comprometido com o bem-estar coletivo.
Cases de sucesso
A implementação de práticas de Zero Waste é uma tendência crescente no Brasil, com várias empresas adotando medidas para melhorar a gestão de resíduos e promover a economia circular. Conheça alguns cases selecionados por Mauricio Ajzenberg.
A gigante do setor de cosméticos conta com programas de sustentabilidade que têm como compromisso não enviar resíduos para aterros sanitários em suas operações industriais. A empresa dispõe de um sistema de logística reversa para embalagens e incentivos para a reciclagem. A Natura foi, ainda, pioneira na venda de refis para seus produtos.
A empresa também tem metas de circularidade de embalagens a serem cumpridas até 2030 — 50% (em peso) de todo o plástico usado terá conteúdo reciclado, e 100% das embalagens serão reutilizáveis, refiláveis, recicláveis ou compostáveis.
A indústria de bebidas desenvolve programas de reciclagem e de redução de resíduos. A empresa investe em tecnologias para reciclagem e reaproveitamento de materiais, além de programas de educação ambiental. A AVR, fábrica de vidros da Ambev localizada no Rio de Janeiro, produziu sua primeira garrafa 100% reciclada, produzida inteiramente com cacos de vidro. Isso proporciona uma redução de 50% nas emissões atmosféricas.
A maior produtora de resinas termoplásticas da América Latina trabalha com o conceito de economia circular e tem programas para reduzir, reutilizar e reciclar resíduos plásticos. A empresa promove a utilização de plásticos verdes e recicláveis em seus produtos.
Em 2013, a Braskem criou o Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico (PICPlast) em parceria com a ABIPLAST. A iniciativa prevê o desenvolvimento de programas estruturais que contribuam com a competitividade e o crescimento da transformação e reciclagem plástica.
No pilar de vantagens do plástico, as frentes de trabalho do plano são voltadas para reciclagem, estudos técnicos, educação e comunicação, com destaque para o Movimento Plástico Transforma.
O braço brasileiro de uma das maiores produtoras de bens de consumo do mundo implementou metas de desperdício zero em suas operações de produção e também conta com programas para reduzir o uso de plástico virgem, aumentando a utilização de materiais reciclados.
Sua marca OMO lançou o projeto “Por um Planeta mais Limpo”, no qual apresentou quatro grandes iniciativas a partir do uso de plástico reciclado. Já a Love Beauty and Planet — primeira marca de beleza vegana do grupo — tem todos seus frascos 100% recicláveis e feitos a partir de 100% de plástico reciclado. O material tem origem em garrafas PET coletadas por cooperativas locais.
Uma estratégia ESG consistente faz do Grupo Boticário a 3ª empresa de beleza mais sustentável do mundo, segundo a Dow Jones Sustainability Index (DJSI). A área mais bem avaliada da empresa foi a ambiental, com nota 82, enquanto a média do setor foi de 32.
Dentre as diversas iniciativas da marca destaca-se o programa “Botica Recicla”, considerado o maior programa de recolhimento de embalagens pós-consumo do Brasil no segmento de beleza, com 4.500 pontos de coleta — o público é estimulado a devolver embalagens vazias nas lojas para serem recicladas.
O Grupo Boticário desenvolve, ainda, o programa Estação Preço de Fábrica, cujo objetivo é contribuir para a estruturação da cadeia de reciclagem, principalmente de papel e vidro.
Com foco na conscientização dos consumidores sobre o descarte correto, o Grupo Boticário iniciou ainda um projeto-piloto de venda a granel de um dos clássicos de seu portfólio de perfumaria feminina, o Floratta Blue.
É a varejista de moda líder no Dow Jones Sustainability Index. A empresa gaúcha tem iniciativas que incluem a gestão de resíduos, com programas para a coleta e reciclagem de roupas usadas e resíduos têxteis. Sua cadeia de fornecedores é 100% certificada com iniciativas de cunho socioambiental. O consumo de energia corporativo é 100% originado em fontes renováveis e de baixo impacto.
Dos produtos comercializados pela marca, 81,3% têm atributos de sustentabilidade. Além disso, a Renner conseguiu uma redução de 35,4% das emissões de gases de efeito estufa na comparação com os índices de 2017.
Outra iniciativa de sucesso é a Repassa, plataforma de revenda de roupas, calçados e acessórios usados.
Uma das líderes do setor bancário brasileiro também tem iniciativas voltadas à gestão de resíduos em suas operações, como a promoção da reciclagem de materiais e a redução do uso de papel nas unidades.
A marca de calçados brasileira conhecida mundialmente criou em 2020 o Havaianas reCICLO que, desde seu início, já beneficiou cerca de 513 famílias por meio das cooperativas de reciclagem.
Em vez de virar lixo, dezenas de toneladas de sandálias são transformadas em outros produtos: tapetes, pneus maciços para carrinhos de mão e até mesmo mobiliários revestidos de manta de borracha — os mesmos que são usados em bancos e prateleiras das lojas próprias da marca.
Como a tecnologia traz visibilidade e eficiência para a gestão de resíduos
Se ter uma gestão eficiente de resíduos ainda é um desafio, a tecnologia pode apoiar iniciativas e processos. Sistemas como o RFID, por exemplo, conseguem rastrear o movimento de resíduos desde a geração até a disposição final, o que garante transparência e conformidade com regulamentações.
Além disso, sistemas baseados em IoT (Internet das coisas), com sensores inteligentes instalados em lixeiras e contêineres, também são de grande ajuda. Eles são capazes de monitorar os níveis de resíduos em tempo real, o que otimiza as rotas de coleta e reduz custos operacionais.
Segundo Mauricio Ajzenberg, há várias possibilidades de uso da tecnologia para a gestão eficiente de resíduos.
- Plataformas colaborativas: marketplaces de resíduos conectam geradores de resíduos com recicladores e fabricantes, criando novos fluxos de receita.
- Ferramentas de software e plataformas de gestão: automatizam a coleta de dados e a geração de relatórios, facilitando o cumprimento de regulamentações ambientais e auditorias detalhadas.
- Blockchain: verifica a origem e o destino dos resíduos, garantindo transparência e rastreabilidade e criando registros imutáveis de todas as etapas do ciclo de vida dos resíduos.
- Inteligência artificial e machine learning: otimizam as rotas de coleta de resíduos, economizando combustível e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa, além de identificar e classificar diferentes tipos de resíduos em esteiras de triagem.
- Automação de processos: robôs podem ser usados na triagem de materiais recicláveis, trazendo mais eficiência e precisão ao processo. Aplicativos móveis e portais online educam e incentivam os consumidores a separarem os resíduos corretamente.
- Big Data: permite às empresas prever padrões de geração de resíduos e otimizar suas operações de coleta e reciclagem.